Monday, May 21, 2012

ai ai ai

Já tenho o meu carrinho! Posto isto há que dizer que: 1) tenho mesmo que voltar a ter aulas de condução - bati com a mão direita na porta meia dúzia de vezes; 2) o motor roncava de tão mal que meti as mudanças; 3) passei a vida a dizer "pela esquerda é que vamos". É chegada agora a altura de passar isso à prática mas sem exageros - não vale bater nos carros estacionados à direita. 

Sunday, May 20, 2012

partir pedra

O tempo tem voado e se me perguntarem exactamente como têm sido os meus dias terei que responder que os tenho passado a fazer de tudo um pouco - limpar e organizar o laboratório, encomendar reagentes e equipamento, ler artigos e planear experiências. Missões impossíveis assentam-me que nem uma luva.

Wednesday, May 2, 2012

os meus dotes poéticos - desta vez em inglês

Tonight I made a tiny stuffed bird,
It's a bit weird, the poor old birdie. 
Badly stitched, tiny eyes 
And it doesn't even have a proper beak. 


But it's kind of cute, 
Kind of cool,
And it smells nice. 
(It's the lavender!)


PS. Escrevi isto, a rir, na noite em que fiz aquele pássaro horroroso. Pássaro que acabei por dar à pequena Maria, que se entreteve uns quantos minutos com ele na boca. Não teve um final feliz, o pobre.

E com este "poema" encerro as minhas incursões no mundo da poesia - a prosa, espero, não me sai assim tão mal... 

Monday, April 30, 2012

Wednesday, April 25, 2012

hoje nascia um país novo

Hoje nascia um país novo, o meu. Um país em construção: abril das mil cores, dos sonhos mil. Abril do futuro, abril do mais improvável dos sonhos. 

Manhã orvalhada, imensa a planície. 
Searas, um azul sem fim. 
Papoilas.
Abril de todas as esperas,
Chegaste enfim.

Tuesday, April 24, 2012

Monday, April 23, 2012

justiça, direito e caridade

"Posto diante de todos estes homens reunidos, de todas estas mulheres, de todas estas crianças (...), cujo suor não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de o não ter, Deus arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de contrição, quis mudar o seu nome para um outro mais humano. Falando à multidão, anunciou: 'A partir de hoje chamar-me-eis Justiça'. E a multidão respondeu-lhe: 'Justiça já nós a temos, e não nos atende'. Disse Deus: 'Sendo assim, tomarei o nome de Direito'. E a multidão tornou a responder-lhe 'Direito já nós o temos, e não nos conhece'. E Deus:' Nesse caso ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito'. Disse a multidão: 'Não necessitamos de caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite". 

Excerto do Prefácio escrito por José Saramago para o livro "Sem terra", Sebastião Salgado
in Cadernos de Lanzarote - Diário IV

Saturday, April 21, 2012

21 de abril, 2012

Hoje encontrei-me com a Jill em Londres. Uma das minhas melhores amigas de Glasgow, companheira de muitas chávenas de chá, já não a via desde Novembro. Havia, por isso, muito que conversar. Passeámos e falámos, conversámos e continuámos a andar: pelos corredores do Museu Vitória e Alberto, atravessámos salas majestosas e fomos observadas de perto por estátuas gregas e esfinges, vimos jóias e caixinhas de porcelana. No Museu de História Natural, o meu preferido, vimos fotografias espantosas de uma vida selvagem que eu tanto gostaria de conhecer de perto. E como nestas andanças por Londres é difícil uma pessoa escapar-se a um destino assim, o dia terminou com uma sopa de tomate, feita a pensar nestes paladares. A pior sopa que existe à face desta terra.

Wednesday, April 18, 2012

mr. kurt wagner

Excelente entrevista de João Bonifácio a Kurt Wagner, o "tipo que fez carreira graças à sua capacidade de tornar a tristeza bela". Conversa a propósito do novo álbum dos Lambchop, Mr. M, disco cheio de músicas "para quando estás a beber um copo sozinho ou com aquelas poucas pessoas que são verdadeiramente íntimas".

Obrigatório ler, aqui.


PS. Já vi os Lambchop três vezes. Em Lisboa, na Aula Magna (2004). Depois em Glasgow (2008), num pub pequenino, em que me sentei no chão a ouvi-los. Finalmente em Londres, há cerca de um mês, no Barbican Centre. Thanks Mr. K, see you soon.

planos

A Inês chega para a semana a tempo de comemorarmos o 25 de Abril. Vou largá-la em Cambridge quinta e sexta-feira e deixá-la explorar, a seu tempo, a cidade, os colégios e edifícios da Universidade, o Jardim Botânico e os museus. Dois dias é tempo mais do que suficiente para saber de cor cada pedra de calçada destas ruas e, por isso, Sábado e Domingo estaremos por Londres. Os bilhetes para a exposição de Picasso & Arte Moderna Britânica na Tate Britain já estão comprados. Mais certamente haverá para fazer - gosto tanto de receber visitas.


Tuesday, April 17, 2012

a pintura foi a primeira forma de literatura

Não me lembro de ter lido isto antes de ter o pensado - mas lá está enunciada, nos inevitáveis Cadernos, muito melhor do que alguma vez conseguirei articular, esta inocente constatação. Da primeira vez que eu e a Marta fomos a Londres optámos por sobrevoar a Galeria Nacional, traumatizadas que estávamos pela visita ao Museu Nacional da Catalunha onde fomos cilindradas por centenas de quadros. Culpa nossa, marinheiras de primeira viagem que não queriam voltar a casa sem ver tudo de fio a pavio, por muito doloroso e infrutífero que fosse.

A Galeria Nacional oferecia visitas temáticas, que incluia a análise breve de 4 ou 5 quadros. Perfeito. O tema que nos calhou em sorte foi o "Sono". Um dos quadros que visitámos tratava uma cena bíblica - não era, de todo, quadro que me fizesse abrandar o passo. Mas saber o contexto, os personagens e a função que teriam tido naquela história fizeram-me gostar do que vi. E foi aí que pensei, com a alegria que nos trazem as pequenas revelações: os quadros são livros. Nesta forma de arte, tal como na literatura, os artistas maiores são aqueles que connosco falam, com sensibilidade e humor, questionando as nossas certezas. São aqueles que contam uma história que queremos ouvir.

Monday, April 16, 2012

à espera

Hoje não fiz praticamente nada - parece que tanto nas empresas em véspera de fechar como naquelas que estão só a principiar, o tempo é passado na cantina, a bebericar chá ou café. Ainda faltam muitas coisas para ter o laboratório funcional. O CO2 só chega no final da semana e sabe-se lá quando é que o pobre do electricista acaba o ingrato serviço. Mas enfim, nas conversas que tenho tido o trabalho continua a prometer coisas interessantes. A ver vamos.

Sunday, April 15, 2012

malta & sicília - algumas fotografias








do regresso aos filmes

Sem muito dizer e sem querer comprometer-me em análises, digo apenas que foram boas as horas passadas no cinema a ver estes dois filmes.



primeira semana

Laboratório novo, a estrear. As caixas com o equipamento chegaram no meu primeiro dia e passei, por isso, os dias desta semana a desempacotar equipamento e organizar coisas em gavetas e armários. Muito terapêutico, fez-me lembrar os dias em que enchia caixas com pontas (perdão àqueles que se movem no mundo que existirá com certeza lá fora e para quem esta frase fará pouco ou nenhum sentido).

Na sexta o laboratório começou finalmente a ter cara de gente. Amanhã vem o electricista mudar as tomadas e vamos poder ver se aqueles aparelhos todos ainda funcionam! Alguns parecem autênticas peças de museu. Percebi nestes últimos dias que é possível ter saudades de equipamento de laboratório (sim, daquelas que nos deixam um aperto no coração). Sinto falta dos meus robots!

Do que vi nos passeios que dei à hora de almoço, o parque tecnológico parece ser mais activo - acolhe pequenas empresas, funcionando como uma incubadora, e que por isso tem o potencial de poder vir a ser um local de trabalho muito interessante! Até temos uma horta! Ah, já disse que comigo podem contar para fazer o creme de limão da Maria Ana. Os morangos que os plantem eles...

Monday, April 9, 2012

primeiro dia

Preparada ou não, amanhã é o primeiro dia de trabalho no novo emprego. Laboratório a estrear, caixotes e equipamento para arrumar. A pergunta que mais se faz quando se começa a trabalhar num laboratório, que durante semanas é um lugar estranho, sem sentido ou ordem, é esta: onde está isto, onde arrumam aquilo? Desta vez, estas palavras não se irão ouvir. O que direi e o que irei sentir, só com o tempo vos vou poder contar.

maria rita & companhia

Mais esta para ter saudades de casa. Já me bastava a falta que sinto dos amigos de sempre - apareceram agora estes rebentos a quem apetece aparar as quedas e mostrar as cores do arco-íris.

a casa é onde nós estamos

Pode, ou não, coincidir com o lugar onde o nosso coração mora. Parte do meu, a maior, está em Lisboa e Estremoz. Outra, em Glasgow. Talvez descubra, quando um dia daqui sair, que também em Cambridge deixei um bocadinho de mim.

sobre a leitura dos cadernos

Tanto a caminho de Malta, como no regresso a Portugal, entretive-me a ler os Cadernos. Quero, por isso, deixar aqui algumas impressões:

- Saramago escreveu muitas vezes sobre as preocupações que tinha sobre a Europa e o futuro de Portugal na União Europeia. Quem quiser ler estes livros facilmente concluirá que não era (é) preciso ser bruxo para concluir que o caminho que então se desenhava para a União Europeia (o primeiro caderno data de 1993, há quase 20 anos), em que os pequeninos não têm outro remédio que não o de se tornarem ainda mais pequeninos, só nos poderia trazer onde estamos hoje.

- Lembrei-me de coisas que fiz e pensei, reflexões e preocupações daqueles anos. Recordei-me, por exemplo, de quando escrevi uma carta muito zangada ao Embaixador Francês, protestando contra os ensaios nucleares planeados para o Atol de Moruroa. Escrevi a carta e corri altiva para os correios - Estremoz era pequenino para o meu sonho de mudar o mundo.

- Anos 90, governo cavaquista. O Sr. Silva, pequenino e ignorante era, ignorante e pequenino continua a ser.

- O quanto Saramago foi homenageado fora das nossas fronteiras. Tristemente, é evidente como foi ignorado em Portugal - por aqui também se vê a pequenez de quem nos governa e governou.

- A ternura do homem que Saramago foi está derramada naquelas páginas. O amor a Pilar, à casa que com ela construiu em Lanzarote, com os cães, rodeado de mar e vulcões. O amor, que também sentiu, pela humanidade. É uma delícia.

diários de malta - dia 7

Regresso, desta vez sem sobressaltos - nós e as malas chegámos bem e a horas. Em jeito de conclusão, algumas ideias soltas:

- A comida não foi muito do nosso agrado. Frango ou filete à boa maneira inglesa, sem se lhe ver nem o rabo ou a cabeça.

- Os Cavaleiros de Malta, organização religiosa e militar, tem assento na ONU, como observadores. Pobres Palestinos que vêm lutando há décadas pela extravagância de serem reconhecidos como Estado de pleno direito...

- Queiramos e façamos nós por isso: que o futuro de Portugal não se resuma a ser, apenas, um país-museu, sem gente ou futuro.

diários de malta - dia 6

Muito dormi eu na Sicília. Acordámos às cinco da manhã e duas horas depois atracámos em terras Sicilianas. Com os olhos a pestanejar de tanto sono que levava, ainda assim acordei a tempo de ver as marcas deixadas pelo Etna na paisagem. Rocha balsáltica, rios de lava consolidada podiam ver-se por aquelas encostas abaixo. Lá longe, o Etna espreitava e impunha-se. Subimos num funicular até aos 2500m e até aos 3000m num jipe enorme que rompia por entre a neve que ainda não derreteu.

Chegámos ao fim do mundo, pensei. Céu azul, entrecortado de negro. Paisagem lunar, linda, austera. Apetecia ficar ali e decorar cada relevo, não fosse o vento e o frio que nos adormeceu a cara, os dedos e as orelhas. O passo tinha que ser certo e apressado. As fotografias não lhe farão justiça, muito menos as minhas palavras. Ainda bem que lá fui e espero não me esquecer daquele negro, daquela imensidão e da solidão que lá se pode sentir.

diários de malta - dia 5

Chegados ao quinto dia da nossa viagem já ninguém tem paciência para o nosso pobre guia e para as histórias dos Cavaleiros de Malta. Mas enfim, continuamos a tropeçar nas marcas por eles deixadas, tanto na actual capital de Malta, Valletta, como na antiga, Mdina.

Valletta pareceu-nos cheia de vida e lamentei-me por não ser ali o nosso hotel, onde certamente veríamos mais do espírito que habita a ilha. Mdina transpira antiguidade, parecendo porém abandonada, sem gente a correr por aquelas ruas. Quase uma cidade-museu ou mesmo uma cidade-fantasma. Que estranho.

Tempo para comprar mais umas prendinhas e fazer balanços.

diários de malta - dia 4

Visita a Gozo, a segunda ilha de Malta. Mais pequena, a mesma paisagem, feita de casinhas e mais casinhas. Esqueci-me de mencionar este facto importante, que é, talvez, um dos denominadores comuns aos habitantes da ilha: quase todas as casas têm um santo à porta e muitas estavam enfeitadas para a semana santa que se avizinha. Segundo as contas do guia, 97% da população é católica. Pelo que vimos, não é exagero.

Outra coisa que nos espantou, aqui, mas também na ilha maior, foi a quantidade de casas abandonadas. Há mais casas que Malteses, saímos de lá com essa certeza. O nosso guia (o tal anarco-sindicalista), antigo arquitecto que deixou de o ser, contou-me que não queria ajudar a construir nem mais uma casa que fosse naquela terra. Contou-nos aquelas histórias de conquistas e povos e assim vai vivendo a defender o país que é o seu - ou assim o imagino, com o meu coração dedicado a imaginar moinhos e a inventar D. Quixotes.

diários de malta - dia 3

Sudoeste da ilha: geografia mais acidentada, as arribas fazem as vezes das fortalezas que vimos na zona Este de Malta. Menos casas e mais verde. Mais uma viagem de barco, uma casquinha que nos levou por grutas, recortadas por um mar azul turquesa. Rimos com o vento e o sol a aquecer-nos a cara - haja memória para registarmos estes dias e guardar para sempre aquele azul.

Penso que neste dia também vimos uns monumentos megalíticos, bem preservados, cuja história e significado foi explicado até à exaustão pelo nosso guia. Calhou-nos um homem muito falador (chato dirão alguns do nosso pequeno grupo) que nos explicou a história de Malta de trás para a frente. Estaríamos certamente prontos para um exame escrito aquando do regresso a Portugal. Os Cavaleiros de Malta foram o tema preferido, sem dúvida pela importância que tiveram e que ainda hoje têm no país. Poderia falar (falou!) deles até à eternidade. Via-se que era uma pessoa culta e que gostava daquilo que fazia. Dos nabos que da púcara tentei tirar, convenci-me que é anarco-sindicalista. Lá pinta e conversa tinha-a toda e um guia assim assentou-nos bem.

diários de malta - dia 2

Malta é uma imensa fortaleza e as cidades sucedem-se. Não há muito campo por estes lados e é difícil perceber onde estamos - só com a ajuda de um mapa e depois de perguntarmos mil vezes ao guia o nome da terra que víamos no horizonte. Por esta terra andou quase toda a gente: gregos, fenícios e romanos; turcos, espanhóis, portugueses, as tropas napolitanas e os ingleses. E claro, os Cavaleiros de Malta. A história cruza-se connosco quando andamos pelas ruas e quando avistamos os mil portos de Malta - histórias de ocupantes e ocupados, de ocupantes que foram, mais à frente, ocupados.

Ilha com 450 mil habitantes, saímos de lá sem perceber qual é a identidade que resume os malteses. Talvez porque aquele pedaço de terra, encalhado no Mediterrâneo entre o Norte de África e tão perto de Itália, é o resultado daquele rumar de gente tão diferente. Esses viajantes não deixaram uma marca distinta, ou, pelo contrário, deixaram bocadinhos que se foram diluindo no que já lá estava. Não sei.

O segundo dia da nossa viagem foi passado a percorrer as ruas antigas de Cospicua, Senglea e Vittoriosa. À tarde demos uma volta de barco e vimos os mesmos povoados do mar, este tão azul, tão lindo, com tantos barquitos de pesca. Vale a pena vir para este lado do mundo só para ver este mar.

diários de malta - dia 1

Companheiros de viagem: Marta e o Pai, o Fernando e a Paula, a Lena, o Luís e a Teresa.

O início da viagem foi atribulado. Perdemos o avião em Frankfurt e ali tivemos que ficar, num daqueles hotéis construídos para dar guarida a turistas encalhados como nós. Rumámos a Malta na manhã seguinte, desta vez sem correrias ou atrasos. Já as malas, essas, decidiram ficar em terras alemãs por mais uma noite. Consolada estava eu, desta vez a má sorte não calhou só a mim - eram mais de 30 os aflitos.

Primeiras impressões da ilha: muitas casas, em tons de castanho claro e telhados cortados a direito, preenchem o horizonte. O céu azul e o mar enchem-nos de imediato os olhos.

Monday, March 26, 2012

arrumações

Andei em arrumações cá em casa. A estante já estava a rebentar com tantos livros e resolvemos (ideia da Marta, claro!) acrescentar umas quantas prateleiras. Organizei livros e DVDs por género, autor e altura. Enfim, a altura talvez tenha sido o critério dominante - não tenho assim tantos livros do mesmo autor e não tive tempo para pensar em que géneros se divide a minha biblioteca. Criei, isso sim, uma categoria chamada "os DVDS que me envergonho de algum dia ter comprado e visto e que, mesmo sob tortura, nunca reconhecerei como sendo meus".

Saturday, March 24, 2012

cadernos de lanzarote

Pedi ao meu pai que me comprasse os Cadernos de Lanzarote e cá estavam eles à minha espera. Na entrada de 18 de Maio de 1993, Saramago transcreve uma comovedora carta de uma leitora que lhe agradece "o pão das suas palavras". Gostaria de ter escrito isto. Os livros de Saramago são simplesmente isso, pão - precisamos deles para nos fazermos gente.

*

"Chegado agora a estes dias, os meus e os do mundo, vejo-me diante de duas probabilidades: ou a razão, no homem, não faz senão dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também indubitavelmente, o mais irracional de todos eles. Vou-me inclinando cada vez mais para a segunda hipótese, não por ser eu morbidamente propenso a filosofias pessimistas, mas porque o espectáculo do mundo é, em minha fraca opinião, e de todos os pontos de vista, uma demonstração explícita e evidente do que chamo a irracionalidade humana. Vemos o abismo, está aí diante dos olhos, e contudo avançamos para ele como uma multidão de lemings suicidas, com a capital diferença de que, de caminho, nos vamos entretendo a trucidar-nos uns aos outros."
Diário I, Cadernos de Lanzarote
José Saramago

de regresso a casa

As coisas parecem todas mais pequeninas. O meu quarto e a cama onde costumava dormir, as ruas. Interrompo por breves instantes as vidas e rotinas daqueles que reencontro e continuo a andar, espantada com a estranheza que é estar de volta.

Tuesday, March 20, 2012

uma caixa apenas

Ainda não me fui embora e já aqueles corredores me parecem estranhos. Uma caixa bastou para arrumar cadernos de laboratório, protocolos, artigos e outras coisas que ainda me podem ser úteis na vida pós-GZ. Dois anos cabem em muito pouco, pensei, ao olhar para aquela caixa. Parte da minha vida está ali, colada àqueles páginas, cheias de resultados, dados e planos.
Dois anos, assim arrumados, são um instante breve, um suspiro. Mas talvez nada disso importe, dois, dez, vinte anos, tanto faz. As pessoas, o que aprendemos, as alegrias e as tristezas - essas memórias não cabem numa pequena caixa de cartão, levo-as comigo e são do tamanho do mundo.

Saturday, March 17, 2012

brinquedo novo

Comprei um kindle! Gosto muito do meu brinquedo novo - está cheio de livros, tem uma capa vermelha, gira, e vai fazer-me companhia durante as minhas andanças por esse mundo fora. É como ter uma biblioteca imensa na palma da mão - não é tão bom?


uma espécie de pássaro


Monday, March 5, 2012

do bolo de arroz à salvação nacional

Digam ao Álvaro que o futuro do nosso país não está só no pastel de nata, mas também no bolo de arroz. Aliás, a internacionalização da doçaria nacional já chegou a Cambridge. Comprei este fim-de-semana, na estação de comboio, um bolinho de arroz - o mesmo papel a dizer "bolo de arroz", provando não se tratar de uma falsificação, e a mesma crosta açucarada que invariavelmente como primeiro. Vendem-no com outro nome, portuguese madeira cake, vá-se lá saber porquê.

Sunday, March 4, 2012

as irmãs woolf

"I do not like this picture. All my painter's instincts reject the obtrusive symbolism, the fragments of a narrative that thwart my desire to see. Despite my objections, my mind races with the possible interpretations. Is this the hand of God in close-up on the left? Are the birds a pair? What am I to make of the cruel contraption? Or the balloon, floating apparently freely in the distance? This is not a painting, I want to shout, this is pictorial inquisition. It forces us to think, not to look."

in Vanessa and Virginia, Susan Sellers

Wednesday, February 29, 2012

da ignorância

A ignorância, em mim e nos outros, incomoda-me. Tenho grandes lacunas de conhecimento sobre a História do meu país e do mundo, e delas me apercebo quando leio jornais, no cinema, nas conversas do dia-a-dia. No meu cestinho de compras quero por três livros de António Borges Coelho ("Donde viemos", "Portugal Medievo" e "Largada das Naus"), esperando que estes me permitam saber um pouco mais sobre quem somos.

Sunday, February 26, 2012

a léguas do Artista

Drive, Shame, Tinker Taylor Solder Spy ou Tyrannosaur - estas são as minhas escolhas para os melhores filmes de 2011.

mistérios de lisboa

Entrei na sala de cinema ao meio-dia e só vi a luz do dia eram já cinco da tarde. Não posso dizer que o tempo tenha passado a correr - quatro horas são quatro horas - mas Os Mistérios de Lisboa é um filme que se vê sem esforço e sem pressas. A minha recordação dos livros de Camilo, provavelmente cristalizada com a leitura dos Amores de Perdição, é que estes eram povoados de personagens que se consomem em amores impossíveis. As mulheres vão parar a um convento e os homem morrem de tuberculose de tão frágeis. Reencontrei essas personagens, tuberculosas ou desesperadas, mas desta vez interessei-me pelo seu destino. A música e a fotografia, o olhar de Raúl Ruiz sobre a obra de Camilo Castelo Branco, transformam esta história num épico. A ver.

está um lindo de sol

Céu azul, os passarinhos assobiam lá fora. Ouço o novo disco dos Lambchop e conto os dias para o concerto que se avizinha. O mundo parece prometer mais quando a Primavera se aproxima.

Tuesday, February 21, 2012

Monday, February 20, 2012

não somos a grécia, repetem

Não somos a Grécia, é verdade, mas com o povo Grego estamos solidários. As ruas de Atenas são nossas, conhecemo-las tão bem como aqueles que as percorrem desde criança. Não importa quem somos, nem tão pouco onde nascemos ou o que fizemos até aqui: o horizonte de esperança que queremos é o mesmo.

chegou!

Sunday, February 12, 2012

da janela do meu quarto, o inverno

martha marcy may marlene

Perturbador, mas não o suficiente. Aqueles bosques e esta música vão, no entanto, ficar na minha memória.


Thursday, February 9, 2012

Oleanna, de David Mamet

Encontrei-me com uns quantos amigos no Eagle (o pub do Watson e Crick!) e de lá fomos para o teatro. Aquele espaço pequenino e familiar acolheu nessa noite uma história tensa e cheia de subtilezas. Gostei mesmo da peça. Pesei os argumentos de cada uma das personagens, medi atentamente cada uma das suas reacções e, no final, escolhi um lado e condenei o outro: Oleanna obriga-nos a decidir.


A noite terminou onde começou. Enquanto conversávamos bebi leite com chocolate, os meus amigos uma cerveja. Demorei dois anos a arranjar companhia para uma noite assim.

Tuesday, February 7, 2012

escolhas (ou a falta delas)

Queria aprender mais - foi minha a escolha quando saí de Portugal há quase cinco anos atrás. O meu doutoramento incluía uma colaboração entre o Instituto Superior Técnico e a Universidade de Glasgow. Na Escócia encontrei melhores condições de trabalho, mas mais do que tudo, esta experiência contribuiu, de forma decisiva, para o abrir dos meus horizontes científicos e pessoais. Conheci pessoas de todo o mundo, partilhei com elas a minha cultura e através delas conheci um mundo diferente. Depois de acabar o meu doutoramento continuei por aqui, mas desta vez tratou-se de uma decisão e não de uma escolha, se é que me faço entender.

Repito isto muitas vezes: os meus conhecimentos e a metodologia que uso no meu dia-a-dia e que me permitem desenvolver com eficácia o meu trabalho foram alicerçados nas salas de aula do meu país. Estranhamente, e apesar da minha aprendizagem me ter garantido emprego numa das mais prestigiadas empresas de biotecnologia americanas, o meu país não me quer de volta.

Leio nos jornais esta vaga de insultos ao nosso povo e isso deixa-me imensamente triste. Chamam-nos piegas, preguiçosos, apelam ao êxodo, como se isso foi coisa fácil. Falam como se não tivessem responsabilidade alguma, como se fossemos inquilinos do nosso próprio país. Oferecem-nos a ignorância e a miséria, tiram-nos o horizonte, o chão, a esperança. Os ecos de casa trazem notícias cada vez mais tristes.

Antes do 25 de Abril, muitos foram os que saíram por serem perseguidos e outros tantos foram empurrados pela fome e desespero. Sinto que estamos cada vez mais próximos dessa realidade. Acredito que as portas do meu país se estão novamente a fechar - para muitos de nós, o voltar a casa pode não ser uma opção e isso é terrivelmente cruel.

Monday, February 6, 2012

dinamarquês para principiantes

Na outra noite acordei com a sensação de que tinha falado, durante o sonho, em dinamarquês fluente. Já me aconteceu sonhar em inglês, mas nunca me tinha dado conta que os meus horizontes linguísticos se estendiam a paragens nórdicas. A minha recente obsessão com o Forbrydelsen tem, certamente, algo a ver com esta, até agora desconhecida, capacidade.

Sunday, February 5, 2012

londres

Em Londres depressa mudamos de cenário: do quente dos bairros familiares, ao frio distante dos corredores da alta finança; do burburinho de uma sala de espectáculo e corrupio das estações do metro, para o silêncio de um parque numa tarde de inverno. Talvez apenas Nova Iorque tenha a capacidade de transmitir isto (pelo menos assim o imagino, porque nunca lá fui): a sensação, muito concreta, de que entrámos num qualquer filme.

serei, em breve, a orgulhosa proprietária de um 4 rodas

Gostava muito de poder adjudicar a compra do meu carro a terceiros. Mas que remédio tenho eu se não percorrer sites de carros em segunda mão e aventurar-me em stands a fingir que percebo alguma coisa do assunto? E quando me ponho a pensar que vou andar para aí a conduzir? Talvez (e aí reside a minha fugaz esperança) eu me venha a revelar uma excelente condutora do lado esquerdo da estrada . É isso mesmo, faz todo o sentido que assim seja.

de volta aos concertos

Tinha saudades de ir a concertos e só me apercebi disso ontem, enquanto aguardava pela chegada dos manos Dessner ao palco. E mais uma vez constatei que Londres é já ali, por isso nem a distância me serve de desculpa. Bem, talvez a neve seja. O próximo concerto é o dos Lambchop, também no Barbican Centre no dia 1 de Março, e os Magnetic Fields, no dia 28 de Abril em Dublin. Sim, Dublin. Se a fórmula The National + Berlim funcionou na perfeição, nada menos do que isso se espera para este fim-de-semana primaveril na capital irlandesa.

vou para a festa, vim da festa

Nunca o desconsolado "vim da festa" me soou tão apropriado como ontem. Depois de duas horas a ouvir (encantada!) os irmãos Dessner&Co estive outras duas enfiada no comboio que me iria trazer de volta a Cambridge. Desisti de apanhar um taxi para casa depois de 15 minutos a apanhar com neve na cara e sem esperança alguma que algo semelhante a uma coisa com 4 rodas e um motor se materializasse à minha frente. Já estava preparada para começar a andar quando vi um autocarro (nunca mais digo mal do City 1). Mas juro que houve momentos em que achei que teríamos que descer do autocarro para ajudar o pobre a subir as quase inexistentes subidas desta terra. Enfrentei a tempestade a pé durante mais um bom bocado até chegar a casa e beber um merecido chá. A magia da neve não tem o mesmo encanto quando se demora mais que 3 horas a chegar a casa. Nem as boas memórias de um concerto sobrevivem quando se está a tiritar de frio...

Friday, February 3, 2012

estou a contar os dias para o início desta nova aventura

O meu futuro vai passar por uma empresa pequena e com um ambiente mais internacional do que aquele que me é agora familiar. Irei compor o mosaico europeu e juntar-me a espanhóis, turcos, polacos e ingleses. Vou ajudar o grupo de biologia celular a crescer. E ver-me, assim, também a crescer.

final feliz

Apesar de tudo, nos últimos meses, consegui manter-me calma. Talvez não seja inteiramente fiel à verdade se assim descrever o meu estado de espírito. Tive momentos de apatia e dormência generalizada. Chorei, muitas vezes senti-me extremamente ansiosa e preocupada. Reuni, contudo (e que outra opção havia?) energia para actualizar o currículo, pedi ajuda à minha chefe e aos meus orientadores para fazê-lo o melhor possível, e comecei a concorrer a empregos. Fui a entrevistas. Habituei-me a andar com o telemóvel permanentemente comigo, a ver o email 500 vezes por dia à espera de ouvir boas notícias.
Estas chegaram num final de tarde, caminhava para casa e tinha já dado o dia como terminado. Dei pulinhos de contente no meio da rua e corri para casa para telefonar ao meu pai, à minha irmã e amigos. Nunca se sente tanto a falta da gente de quem gostamos do que quando temos notícias boas para partilhar.

Sunday, January 22, 2012

e séries?


o que tens visto nos últimos tempos?










é, quanto muito, engraçadote

"Este ano a mãe comprou-me uns coletes novos e as Obras Completas de ee.cummings, que eu lhe pedi especificamente e que ela teve que encomendar propositadamente. Verifico o preço e sinto uma aguilhoada de culpa, o caro que aquilo foi, o salário de um dia, no mínimo, mas agradeço-lhe e dou-lhe um beijo na face e em troca dou-lhe as minhas prendas - um cestinho de verga de coisas cheirosas da Body Shop e uma edição popular em segunda-mão de Casa Sombria.
- Então que é isto?
- É o meu Dickens preferido. É genial.
- 'Casa Sombria'? Parece esta casa.
E aquilo dita mais ou menos o tom para o dia, na verdade. Dickensiano."

in Uma questão de atracção, David Nicholls

Saturday, January 14, 2012

era uma vez uma empresa

Era uma vez uma empresa. Esta história é igual a muitas outras, mas com uma nuance: esta história é, agora, também minha. Nos últimos meses, desde que nos foi comunicada a decisão de encerrar a unidade de investigação onde trabalho, tive que me despedir de colegas com quem partilhei o dia-a-dia durante dois anos. Tive que abandonar projectos em que investi esforço e esperança.

A carta a comunicar a extinção dos nossos postos de trabalho tinha o logotipo "Investir nas pessoas" - irónica deturpação de conceitos. Empresas compram outras, decidem fechar unidades, levar a tecnologia para outras paragens. Reduzem custos e despedem trabalhadores. Tudo é feito com uma precisão cirúrgica, porque é fácil, tão dolorosamente fácil, eliminar pessoas. É como que se nunca tivéssemos existido.

Wednesday, January 4, 2012

o primeiro de 2012

'Tudo não passou de um instante, irrepetível e irreproduzível. Um momento particular, é certo, no qual uma mulher desafiou ou foi forçada a confrontar uma autoridade que a impedia de fazer aquilo que julgava certo. Mas achas mesmo que esse instante merece tudo isso?'

'Foi um instante, mas que dura para sempre', respondi, as minhas palavras parecendo pela primeira vez verdadeiras, como se viessem de um lugar remoto e desconhecido. 'Talvez durem todos os instantes de quem tem razão e, ainda assim, fracasse.'

in Anatomia dos Mártires, João Tordo


PS. Já ia a meio do livro quando embarquei no avião que me iria trazer de volta a Londres e acabei de lê-lo antes de passar pelo controlo de passaportes, aquando da minha chegada. Não faço por isso outras considerações que vão muito para além do facto de ter achado o livro bem escrito. Para dizer mais do que isto, e fazê-lo sem enumerar uma série de disparates, teria que ter lido este livro muito mais devagar. Não me importa, assim, saber que o livro foi apresentado pelo Pacheco Pereira. Não quero saber o que ele disse ou as análises que fez sobre a obra.


O João Tordo é um bom escritor e sabe contar histórias. Posso até não me rever na sua 'tentativa de reconciliação de um escritor nascido imediatamente após a revolução de Abril com o passado'. Anatomia dos Mártires é um livro comovente, não tanto pelo conteúdo mas principalmente pelo magnífico uso da língua portuguesa - e isso, penso eu, conta muito.

o último de 2011

"Angry at what?, Sandy asked anxiously.

She was a strapping woman with stern gray eyes and hair short as a soldier's under her gray Red Cross cap, but it was in the softest maternal tones, with a gentleness that came as yet another of the day's surprises, as though Sandy were one of her very own charges, that she explained, 'At what people get angry at - at how things turn out'."


in Plot against America, Philip Roth