Sunday, September 14, 2008

a irrealidade e o maravilhoso em treze contos

"Então olhou para mim. Eu julgava que era a primeira vez que olhava para mim. Mas depois, quando deu a volta por detrás do castiçal de madeira e eu continuava a sentir sobre o ombro, nas minhas costas, o seu olhar fugidio e líquido, compreendi que era eu que olhava para ela pela primeira vez. Acendi um cigarro. Traguei o fumo áspero e forte antes de fazer girar a cadeira, equilibrando-a sobre uma das pernas de trás. Então vi-a ali, como tinha estado todas as noites, parada junto ao castiçal, olhando-me. Eu olhando para ela da cadeira, equilibrando-me numa das pernas de trás. Ela em pé, com uma mão comprida e quieta sobre o castiçal, olhando para mim. Via-lhe as pálpebras iluminadas, como todas as noites. Foi então que me lembrei do mesmo de sempre, quando lhe disse: "Olhos de cão azul". Ela disse-me, sem retirar a mão do castiçal: "Sim, nunca mais o esqueceremos". Saiu da luz, suspirando: "Olhos de cão azul". Escrevi isso por todo o lado."

Olhos de cão azul, Gabriel Garcia Márquez

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