Não raras vezes as adaptações de livros ao cinema desiludem. Desta regra lembro-me de poucas excepções: O Carteiro de Pablo Neruda, um lindíssimo filme baseado num romance medíocre; O Fiel jardineiro, extraordinário, impressionante, tal como o livro. A dificuldade de transpôr um livro para o cinema e de agradar a quem já o leu é enorme, nem que seja pelo facto de que cada um de nós já realizou o seu próprio filme, necessariamente diferente daquele que vemos. E sim, é verdade que o filme não deve ser o livro decalcado, porque se tratam de formas de comunicação diferentes. E como já tinha dito, fui ver O Ensaio sobre a Cegueira mais ou menos com o coração nas mãos, na expectativa de ver o que é que o Fernando Meirelles, homem inteligente e capaz de muito, tinha feito com o meu querido livro. Fica o preâmbulo.
E o que é que eu achei do filme? No início achei a aproximação à história um bocado fria, distante, senti que faltavam lá as palavras do Saramago para fazer daquelas pessoas gente e dar sentido àquela vivência. A crueldade é tangível nas cores usadas, a solidão daquela gente visível no desfocar da câmara. Mas faltou qualquer coisa, faltava lá a humanidade, se assim posso dizer. Quando Meirelles conseguiu fazer isso, aí sim, o filme ganhou outra dimensão, nos momentos que para mim foram os mais belos: quando eles ouvem música, ainda no início da quarentena; quando as mulheres lavam, carinhosamente, uma outra já morta; quando, já no exterior, naquela cidade abandonada (como eu a imaginava), passam por uma casa onde se ouve um piano; quando se lavam na chuva e quando (e aqui emocionei-me mesmo, primeiro na expectativa do que sabia que ia acontecer, depois por ver uma das mais belas partes do livro ganhar vida) o cão lambe as lágrimas da mulher. O filme não me levantou do chão do princípio ao fim, mas acho que talvez esta fosse uma batalha perdida logo desde o início. Mas certamente não será um filme que esquecerei.
1 comment:
Numa entrevista que Fernando Meirelles deu diz que temos de aprender a ver. A todos os níveis. Ver-nos a nós e ver os outros. Ver o planeta que estamos a destruir. Que é uma parábola sobre tudo isso.
Quando foi interrogado sobre a viloência no filme ele responde: "isso é o seu lado humano..."
No entanto, quando lhe perguntam se o final é optimista ou pessimista diz qualquer coisa como que depois do abismo algumas pessoas encontram a redenção, o seu grau de humanidade, ficando prontas para construir algo...
que quando se ama alguém encontra-se energia necessária para construir algo.
É um filme sobre o qual se tem de pensar. Não há maneira de mostrar na tel o que o Saramago diz tão bem nas entrelinhas.
bjts
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